sábado, 23 de abril de 2011

HOMENAGEM A TIRADENTES

Esta mensagem foi lida no dia 20 de abril (um dia antes da data comemorativa) para lembrar e referenciar Tiradentes, o Mártir. A leitura ocorreu no Quinto Batalhão da Policia Militar em Londrina, estado do Paraná.

O FAROL DA LIBERDADE
por Wilmar Marçal, membro da Academia Londrinense de Artes, Ciências e Letras.

Na vida, assim como na espiritualidade, sempre buscamos uma referencia boa e positiva. Ninguém, em sã consciência, deve desejar o mal e praticar atos que sejam incentivados pelo ódio.

O exercício pleno da liberdade do homem começa dentro dele mesmo, ciente de suas limitações, mas ávido por servir e perseverante nas ações que devem melhorar a coletividade.

Pobre da nação que assiste a ignorância dos povos ser regida por dirigentes idolatrados, falsos semideuses, que se quer possuem qualquer fiapo de raiz com a decência, com a verdade e com a felicidade de seu semelhante.
Ilusões discursivas vocês encontrarão sempre por ai. Seres ditos “humanos”, alguns inescrupulosos, que querem se dar bem a todo custo, rifando valores, vendendo a alma e se corrompendo com a desgraça dos outros.
Não se assustem. Esse não é um discurso eleitoral. Pelo contrário. É uma fala para agudizar em cada um de nós o que de mais sagrado temos: a LIBERDADE.

Foi esse princípio, a Liberdade, que tornou Joaquim Jose da Silva Xavier, o Tiradentes, nosso homenageado de hoje um modelo imortal de existência e perpetuação nesse mundo de nosso Deus. No Deus que criou o homem não no Deus criado pelo homem.
Tiradentes sofreu, sentiu dolorosas crueldades, mas não se tornou um miserável preso as façanhas dos corruptos, mentirosos profetas e delegados da falsa lei moral. Não se rendeu aos que por migalhas de ouro traíram sua pátria, sua vida e sua dignidade.

Nesse ano de 2011 estamos ávidos por dias melhores, notícias de felicidades, dizeres de alegria, confraternizações e conciliações. Ao contrário, o Planeta Terra se tornou uma ilha com lamentos, catástrofes, tristezas e saudades. Mas tudo isso não pode nos desanimar. Somos capazes e temos dentro de cada um de nós o pulsar de coração que Tiradentes nos deixou. Um legado de ser para crer, e crer para ser.

Há muitas maneiras de viver a vida. Muitos o fazem com otimismo e amor. Outros nasceram para reclamar de tudo e de todos. Estão sempre insatisfeitos, mas não movem uma palha para melhorar. Querem tudo e nada dão. Neste dia façamos nós todos uma reflexão de quem somos, para que estamos aqui, e o que se esperam de nós. Lutar não significa guerrear. Batalhar não significa matar e ludibriar. Esses conceitos, tão singelos e puros de intenção, é o espelho da alma de Tiradentes, e se fazem tão necessários nos dias de hoje. Estamos vivendo momentos tristes na sociedade, com lágrimas em todas as famílias. Mas é preciso reagir. É preciso se inspirar nos heróis e nunca nos ídolos. Ídolos são frutos de mídia e vivem de modo fútil e desregrado. Heróis? heróis não. São nossas bússolas morais, modelos de linha reta, símbolos maiores do que é ser realmente humano. Possamos buscar esses heróis em nossas casas, em nossos antepassados e pais. Possamos também no dia de hoje reviver a HEROICA VIDA ABNEGADA de Joaquim Jose da Silva Xavier, nosso Tiradentes: homem, patrono, paraninfo, padrinho e um contumaz farol da liberdade.

terça-feira, 12 de abril de 2011

CETOSE BOVINA

CETOSE BOVINA OU HIPOGLICEMIA DA VACA LEITEIRA (HVL)

Sinonímia:
acetonemia, acetonúria, cetose

Definição:
é uma enfermidade metabólica que acomete vacas leiteiras multíparas, com boa produção leiteira, no decorrer dos primeiros 45 dias pós-parto e causada por erros no manejo dietético, caracterizada por depressão nervosa, hipofagia, hipogalaxia, acúmulo de corpos cetônicos, hipoglicemia e de ácidos graxos não esterificados; em alguns casos mais graves a enfermidade pode levar o animal à morte.


Metabolismo Energético na Vaca:
para o pleno entendimento da enfermidade deve-se descrever brevemente o metabolismo energético, em especial a geração de glicose sangüínea e a formação anormal de corpos cetônicos.

nos monogástricos grande parte da glicose sangüínea é proveniente da digestão dos monossacarídeos ou polissacarídeos dietéticos.

já nos ruminantes estes açúcares dietéticos são fermentados no rúmen pela sua microbiota, transformando-se em ácidos graxos voláteis. Apenas quando os bovinos são alimentados com dieta rica em amido, parte deste polissacarídeo ultrapassa o rúmen, sendo digerido em glicose no intestino, e em seguida absorvido integralmente. Não mais que 4% da glicose sistêmica é proveniente desse amido.

a maior parte da glicose sistêmica (cerca de 60%) é proveniente da metabolização do propionato, gerado no rúmen, pelos hepatócitos; 30% da glicose é gerada à partir de aminoácidos e 10% pela transformação de lactato, endógeno ou ruminal, e do glicerol oriundo da metabolização das gorduras.

a síntese de glicose à partir de moléculas que não os açúcares é um processo bioquímico denominado de gliconeogênese.

uma vaca seca necessita gerar 50g de glicose/dia para seu requerimento, enquanto que uma vaca em lactação, com produção média de 23 kg de leite, deve gerar 1700 g de glicose/dia, pois grande parte deste açúcar é necessário para a formação da lactose láctea.

diferentemente dos monogástricos, os ruminantes adultos não utilizam a glicose como fonte de energia em todos os tecidos do organismo, mas nos órgãos mais nobres como: sistema nervoso central, fígado, eritrócitos, rins, glândula mamária e para os fetos.

quando uma vaca não consegue gerar quantidade adequada de glicose, ou quando ocorre um déficit de energia global no organismo a gordura armazenada nos depósitos é mobilizada.


Entenda a doença:
em síntese: no caso de ocorrer uma grande mobilização de gordura orgânica, fato este predominante na HVL, um excesso de AGLs será disponível formando grande quantidade de acetil CoA. Por falta de oxaloacetato para adentrar no ciclo de Krebs, o acetil CoA se acumulará, sendo transformado em corpos cetônicos. Inicialmente é formado o acetoacetato, o qual será parcialmente transformado em beta-hidroxibutirato e acetona.

exclusivamente em algumas vacas com HVL o beta-hidroxibutirato pode ser transformado no sistema nervoso central em isopropilálcool, o qual promove o surgimento de sintomas nervosos, tais como hiperestesia e agressividade.

Prejuízos Econômicos:
além dos gastos com o tratamento, os prejuízos mais sérios da HVL são a perda de cerca 60 até 300 litros de leite por lactação, a infertilidade temporária das vacas e a chance maior do aparecimento de outras enfermidades do puerpério, em especial a chance 35% maior de ocorrência de mastite.

Aspectos Epidemiológicos:
até o momento dois estudos epidemiológicos isolados foram realizados em rebanhos leiteiros nacionais. Em um deles não foi encontrado caso qualquer; no segundo trabalho de um total de 118 vacas acompanhadas, 16 (13,56%) apresentaram alta presença de corpos cetônicos, mas sem exibirem sintomas clínicos e apenas uma vaca (0,84%) apresentou evidências clínicas e laboratoriais de HVL (LAGO, 1997). Neste último estudo, os casos de vacas com alto teor de corpos cetônicos, sem sintomas clínicos, surgiram com maior freqüência da 1a a 3a semanas de lactação e um dos casos ocorreu na 8a semana. Não existem estudos avaliando a influência sazonal sobre a incidência de HVL em vacas leiteiras, criadas em nosso meio, mas é possível que esta seja maior no inverno, pois neste período existe uma tendência das vacas receberem menor aporte de energia dietética.

Fatores Predisponentes:
Idade, Número de Lactações e Produção Láctea
vacas velhas são mais sujeitas a apresentarem a HVL, pois têm maior depressão no apetite, em relação as vacas mais jovens, durante os primeiros 60 dias pós-parto, predispondo-as a desenvolverem maior déficit energético neste período.

vacas da 3a a 6a lactações também apresentam mais freqüentemente a enfermidade, pois durante estes estágios a produção láctea atinge o pico máximo durante a vida produtiva, aumentando o requerimento em energia e predispondo o aparecimento de um déficit deste nutriente.

vacas com maior potencial de produção láctea são mais propensas a apresentar a HVL. Contudo, até mesmo vacas com baixa produção láctea (7 a 10 litros) podem apresentar a enfermidade.


Estado Corpóreo:
vacas gordas no final de gestação, com estado corpóreo superior a 3, ingerem menor quantidade de alimentos no período pós-parto.

idêntica situação também ocorre em vacas gordas que permanecem estabuladas por longos períodos e que não fazem exercícios físicos. Estudos recentes provaram que a inatividade física torna menos eficiente o processo de gliconeogênese em vacas durante a lactação.


Produção Láctea e Ingestão de Alimentos no Início da Lactação:
vacas leiteiras atingem, por influência hormonal, o pico máximo de produção leiteira, durante a lactação, nas primeiras três a quatro semanas pós-parto; por outro lado, o apetite em seguida ao parto é bastante reduzido, atingindo seu acme apenas na 7a a 8a semana de lactação. Assim, todo este período até o segundo mês de lactação as vacas apresentam um balanço negativo energético, sendo necessário obter energia, eficientemente, de suas reservas. Qualquer contratempo ou dificuldade neste processo poderá predispor o animal a desenvolver a HVL.

Fatores Determinantes
dois são os fatores determinantes da HVL. O mais comum deles é o alimentar ou primário, subdividido em subalimentação ou superalimentação.

quanto menor o aporte nutricional de proteína ou energia durante o período pós-parto, maior a chance de desenvolver HVL em vacas.

estudos demonstraram que vacas que recebem déficit dietético de 30% de nutrientes digestíveis totais (NDT) podem apresentar uma freqüência de HVL de até 30%.

por outro lado, vacas superalimentadas durante o período seco podem apresentar no pós-parto uma intensa hiporexia, e grande mobilização de gordura de estoques corpóreos.

mesmo assim, ocorrem casos de HVL em vacas que recebem dietas balanceadas, caracterizando os casos espontâneos ou secundários. A maioria destes casos são conseqüências de outros problemas primários que gerem a hiporexia ou mesmo a anorexia prolongada no início da lactação, tais como: processos febris (broncopneumonias, plasmoses, etc.), distúrbios digestivos (acidose láctica ruminal, deslocamento do abomaso, retículo-peritonite), problemas locomotores, lesões de cavidade bucal, gengivites, entre outras.

a menor ingestão de alimentos faz com que a vaca tenha um gradual quadro de balanço negativo energético. Estes processos primários geralmente causam um quadro leve de HVL e desde que sanada a causa inicial há o pronto restabelecimento do distúrbio metabólico.

a patogenia do processo é complexa. Em casos de subalimentação no período pós-parto, a enfermidade se desenvolve de forma crônica. Com o evoluir do déficit de energia a vaca apresenta gradual hipoglicemia e acetonemia. Quanto maior for a mobilização de gordura para o fígado (esteatose hepática) menor será a capacidade gliconeogênica deste órgão e maior será a hipoglicemia e acetonemia. A hipoglicemia determina a hipofagia e a hipogalaxia presentes, assim como associada a acetonemia a presença de sinais clínicos de depressão nervosa. Cerca de 10% dos animais acometidos podem desenvolver a forma nervosa devida a ação do isopropilálcool no SNC (sistema nervoso central).


Sintomas Clínicos:
Formas clássicas: consuntiva ou caquetizante / forma nervosa
os sintomas clínicos geralmente são discretos quanto as manifestações. Três sintomas são mais encontrados, na maioria dos casos: hipofagia, hipogalaxia e depressão nervosa.

a hipofagia é bastante variável, sendo mais intensa em animais mais gordos. Pode surgir também o apetite seletivo, com o animal deixando de ingerir inicialmente concentrados, em seguida silagem, feno ou capim e em alguns casos pode ocorrer também parorexia (cama, areia, terra, etc.). Em decorrência da hipofagia a perda de peso é considerável. Enquanto que uma vaca normal perde cerca de 10% de seu peso no 60o dia pós-parto, em relação ao dia do parto, uma com hipoglicemia pode perder até 12% de peso, já no 35 dia pós-parto.

a intensidade da hipogalaxia é variável. Estudos internacionais com vacas acometidas pela HVL verificaram que a redução na produção láctea esperada foi, em média, da ordem de 30%. No Brasil, LAGO (1997) comparando com vacas hígidas, constatou que o grupo com HVL apresentava cerca de 20% menor produção leiteira.

vacas acometidas pela HVL apresentam uma certa depressão nervosa, com típico estado de sonolência, olhar fixo, cegueira parcial, cambaleios e ataxia e tremores musculares intermitentes.

a forma aguda da enfermidade, determinada pelo aumento da concentração corpórea de isopropilálcool, é marcada pelo surgimento súbito de episódios temporários (duração de uma a duas horas, com recorrência a cada oito a 12 horas) de um quadro clínico nervoso, com os seguintes sintomas: hiperestesia, agressividade, delírio, movimentos de mastigação, sialorréia, etc.


Patologia clínica:
mensurar glicose no sangue
mensurar corpos cetônicos no sangue;
Fita (urinálise);
mensurar corpos cetônicos no leite (referência para a urina);

teste de Rothera (teste de campo) = usar frasco âmbar
para urina = 1g de nitroprussiato de sódio e 99 g de sulfato de amônio
para leite = 2g de nitroprussiato de sódio e 99 g de sulfato de amônio

Misturar 1g do reagente em 5 ml de urina (ou de leite, se for o caso). Adicione 1 ml de amoníaco concentrado. O resultado positivo mostra uma coloração púrpura escura.


Diagnóstico:
dados de anamnese
quadro clínico evidente
achados de patologia clínica

Diagnóstico Diferencial:
FORMA consuntiva = RPT, indigestão, endometrites.
FORMA nervosa = raiva, saturnismo, toxidez por Claviceps paspali, babesiose cerebral, listeriose, encefalopatias.

Prognóstico:
quanto a vida = bom
quanto a produção leiteira = mau
Outros problemas = aciclia, cio retardado, aumenta intervalo entre-partos.


Tratamento:
glicose IV a 50% = 500 ml rapidamente
manter com glicose a 20 ou 25% (100 a 200 ml/hora)
complexo B = B1 já explicado e B12 melhora conversão do propionato em glicose

Cálcio, fósforo e magnésio = sim, sempre.

agentes glicogênicos
propionato de sódio, glicerina ou propileno glicol, via oral, 125-250 g/vaca/2xdia/4dias.
Lactato de sódio ou cálcio, via oral, 0,5 a 1 kg/dia/7 dias.
Outros agentes glicogênicos estão surgindo.
Drench

Prevenção:
a prevenção da HVL já deve ser iniciada no período seco. A primeira medida a ser realizada é evitar que as vacas se tornem muito gordas durante esse período. Vacas devem parir com condição corporal não superior a 3,5. Para tal deve ser evitado que vacas secas recebam a mesma alimentação que vacas em lactação. Outra medida para evitar a obesidade é o oferecimento de silagem de milho ad libitum; vacas não devem receber mais de 10 kg de matéria original / dia deste alimento.

vacas leiteiras de excelente produção devem receber concentrados energéticos nas últimas seis semanas de gestação na quantidade de 1% do seu peso vivo. Contudo, este oferecimento deve ser gradativo a fim de permitir uma adequada adaptação ruminal.

durante o início da lactação as vacas devem receber forragem de boa qualidade e com excelente palatabilidade, para estimular o apetite. É fundamental o oferecimento de concentrados energéticos e protéicos de acordo com a produção láctea esperada. Assim vacas com produção superior a 27 litros/dia devem receber 1 kg de concentrados para cada 2 kg de leite produzido; para vacas com 18 a 27 kg de leite/dia devem ser ofertado 1 kg de concentrado para 2,5 kg de leite e vacas com produção menor (10 a 18 kg/dia) 1kg de concentrado para 3 kg de leite produzido. Esta proporção de oferecimento de concentrados deve ser mantida até os três de meses de lactação, quando em seguida é ofertado o concentrado na proporção 1: 3 ou 1: 4 de acordo com a quantidade de produção láctea. O acréscimo de concentrados na dieta deve ser gradual.

o uso de ionóforos (monensina e lasalocida) na dieta favorece o crescimento de bactérias ruminais que produzem propionato, precursor da glicose. Vacas que recebem ionóforos apresentam menor quantidade de corpos cetônicos formados e aumento da glicemia.

o condicionamento físico no período pré-parto, principalmente, para vacas é recomendado. Sugere-se que vacas devam caminhar cerca de 1,5 km por dia, em terrenos planos e não pedregosos, a uma baixa velocidade. Animais previamente exercitados, quando do início da lactação, apresentam uma maior ingestão de alimentos, aumento da glicemia (em cerca de 20%) e diminuição da acetonemia (em 8%).

estudos foram feitos para prevenir a HVL com o uso de propilenoglicol, um precursor de glicose em ruminantes. FONSECA (1997) tratou um grupo de vacas de alta produção com 300 ml de propileno, pela via oral, durante o 10o dia pré-parto e o 16o dia pós-parto (15 beberagens/animal) e acompanhou-as durante 60 dias de lactação. A freqüência de HVL não apresentou diferença significativa entre o grupo tratado (9,1%) e o grupo controle (33,5%), não podendo assim ser recomendada a utilização deste medicamento na prevenção desta enfermidade.


Literatura Complementar:
FONSECA, L. F. L. Suplementação de propilenoglicol para vacas leiteiras periparturientes: efeitos sobre metabolismo, condição corporal, produção e reprodução. São Paulo: Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. 1997. 114 f. Tese de Doutorado.

LAGO, E. P. Avaliação da incidência de cetose em vacas leiteiras. Piracicaba: Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, 1997. 88 f. Tese de Mestrado.

ORTOLANI, E. L. Aspectos clínicos, epidemiológicos e terapêuticos da hipocalcemia de vacas leiteiras. Arq. Bras. Med. Vet. Zoot., Belo Horizonte, v. 47, n. 6, p. 799-808, 1995.

ORTOLANI, E. L. Hipocalcemia da vaca parturiente. Cad. Téc. Esc. Vet. UFMG, Belo Horizonte, n.14, p.59-71, 1995.

ORTOLANI,E.L. Principais distúrbios metabólicos que afetam vacas leiteiras. IN PIERKARSKI, P.R. Curso Intensivo de Atualização em Bovinocultura Leiteira. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 1989, p.74-105. (1ª Edição)

HIPOCALCEMIA DA VACA LEITEIRA

ENFERMIDADES METABÓLICAS EM VACAS LEITEIRAS

Introdução
várias são as enfermidades metabólicas que acometem vacas leiteiras criadas em nossas condições. Entre as principais destacam-se as seguintes: hipocalcemia da vaca parturiente, hipoglicemia da vaca leiteira, acidose láctica ruminal, síndrome do animal caído, esteatose hepática e a má nutrição energética-protéica, entre outras de menor valor.


HIPOCALCEMIA DA VACA PARTURIENTE (HVP)

Sinonímia:
febre vitular, febre do leite, paresia puerperal hipocalcemica, paresia pós-parto, colapso puerperal, paresia obstétrica, coma pós-parto, apoplexia da parturiente, eclâmpsia.

Definição:
doença metabólica de curso agudo que ocorre mais comumente pela época do parto, em fêmeas bovinas adultas, se relacionando, portanto com o começo da lactação, caracterizando-se por hipocalcemia, fraqueza muscular geral (por flacidez da musculatura esquelética e diminuição do tônus da musculatura lisa), colapso circulatório com alteração da pressão arterial e depressão da consciência.

Dentre os estados hipocalcêmicos a HVP é a mais freqüente, ocorrendo esporadicamente hipocalcemia no decorrer da lactação.

A HVP acomete principalmente vacas a partir da 3a lactação, de média ou alta produção, em especial vacas velhas, no puerpério, mais especificamente nos primeiros três dias pós-parto, devido a falhas na homeostase da calcemia;

caracteriza-se por quadro clínico inicial de hiperestesia, seguido de depressão nervosa e paresia e se não tratada pode evoluir para um profundo quadro de depressão que culmina com a morte, na maioria dos casos.

o tratamento sistêmico com sais a base de cálcio geralmente promovem a cura da enfermidade.

apesar de ser habitualmente chamada de "febre do leite" ou "febre vitular" tais sinonímias não são as mais adequadas, pois a maioria dos animais afetados não apresenta síndrome "febre" ou hipertermia prolongada, mas sim hipotermia na maior parte do quadro.

nos países de língua inglesa também é denominada de paresia puerperal. Atualmente, vários autores têm denominado a enfermidade de HVP, nome que caracteriza melhor o quadro etiológico apresentado.

já foi observada em búfalas.


Homeostase da Calcemia:
para o entendimento desta enfermidade é fundamental conhecer os mecanismos pelos quais o organismo animal mantém a normocalcemia. Estes teores são mantidos basicamente pela atuação de dois grupos de hormônios antagônicos produzidos pela paratireóide e a tireóide, respectivamente, o paratormônio e a calcitonina.

caso exista uma pequena diminuição da calcemia, sensores rapidamente detectarão esta mudança e a produção de paratormônio será estimulada, ocorrendo sua secreção; este hormônio estimula a atividade da enzima renal 1 a hidroxilase, a qual catalisa a transformação de 1- (OH) D3 em 1,25-(OH)2 D3, um metabólito muito mais potente que o anterior.

esta última vitamina irá regular, via aumento de síntese de RNA mensageiro, a produção de proteína-carreadora de cálcio a ser absorvido pelos enterócitos;

nos ossos a 1,25-(OH)2 D3 atuará aumentando a atividade dos osteoclastos, os quais atuam retirando o cálcio dos depósitos ósseos (reabsorção), lançando-o na corrente sangüínea.

no caso de uma hipercalcemia entrará em ação a calcitonina, aumentando a incorporação de cálcio ao osso, além de calciúria.

nas últimas duas semanas pré-parto e até o terceiro dia pós-parto as vacas leiteiras apresentam certa dificuldade de manter a normocalcemia. Mesmo vacas hígidas apresentam uma pequena hipocalcemia temporária, que se inicia na última semana pré-parto e se estende até o 4º ao 5º dia pós-parto. Isto ocorre, pois a produção de vitamina D se encontra ligeiramente diminuída, associada aos menor apetite e motilidade do sistema gastrintestinal. Exatamente neste período a demanda de cálcio é mais alta para a formação do leite colostral, rico em cálcio.

desde que a hipocalcemia não seja exacerbada, as parturientes não apresentarão quaisquer sinais clínicos evidentes.


Prejuízos Econômicos:
acredita-se que os prejuízos causados por esta enfermidade, em condições nacionais, ultrapassem a casa dos US$ 20,0 milhões de dólares anuais.

só com medicamentos para o tratamento da HVP estima-se que sejam gastos acima de US$10,0 milhões de dólares (atualmente existem no mercado 35 a 38 produtos para o tratamento desta enfermidade);

vacas acometidas diminuem em cerca de 60 kg a sua produção leiteira, perdem cerca de 15 kg de peso vivo e têm menor vida produtiva, sendo descartados mais precocemente que vacas que não apresentam a enfermidade.

a chance de vacas com HVP contraírem outras enfermidades puerperais é cerca de seis vezes maior, em especial mamites, deslocamento de abomaso, retenção de secundinas, hipocalcemia, paralisias nervosas, etc.


Aspectos Epidemiológicos:
no estudo realizado no Brasil, ORTOLANI (1995) detectou, em fazendas leiteiras do Vale do Paraíba, S.P., a incidência de 4,25 % e uma letalidade de 12,8%, principalmente em vacas com três ou mais lactações.

quanto mais velha ou multípara for a vaca leiteira, maior a chance da mesma apresentar a enfermidade. Em nossas condições a HVP ocorre tanto no verão como no inverno.


Fatores Predisponentes:
1º) Idade:
quanto mais velha for a vaca menor será o número de receptores para 1,25-(OH)2 D3 nos enterócitos e células ósseas, gerando menor absorção intestinal e reabsorção óssea de cálcio.
vacas multíparas (da 3a a 6a lactações) produzem mais colostro que novilhas e vacas de segunda cria, o que leva a uma maior perda de cálcio nos primeiros dias de lactação.


2º) Efeito Racial:
estudos recentes demonstraram que vacas da raça Jersey apresentam, comparativamente a outras raças leiteiras, menor número de receptores para 1,25-(OH)2 D3 nos enterócitos, explicando a maior incidência de HVP nesta raça

3º) Superalimentação:
vacas superalimentadas no período seco apresentam uma maior depressão no apetite durante o período pós-parto, o que diminui a quantidade global de cálcio dietético disponível para absorção intestinal.

4º) Ordenhas de colostro:
como o colostro contém cerca de duas vezes maior concentração de cálcio (2,2 g Ca/L) que o leite comum (1,1 g Ca/L), vacas ordenhadas continuamente, principalmente nas primeiras 24 horas pós-parto, têm maior risco de serem acometidas pela HVP.

5º) Ingestão de fatores anti-nutricionais:
a ingestão exclusiva de dietas ricas em oxalatos (capins do gênero Setaria) ou ricas em gorduras não complexadas com cálcio e zinco podem diminuir a disponibilidade do cálcio dietético, predispondo a aparecimento da enfermidade.

6º) Individual: certas linhagens sugerem predisposição individual.


Fatores Determinantes:
Parto e Lactação
Nas vacas o teor de cálcio no leite é 10 a 12 vezes superior que o teor no sangue. Com uma produção láctea de 20 litros de leite se perde diariamente 20 a 30 gramas de cálcio pela ordenha.

várias foram as teorias propostas para explicar as causas da HVP. Entre as mais citadas é que vacas que recebessem no período pré-parto dietas com alto teor de cálcio tinham chance maior de apresentar a enfermidade.

trabalhos recentes verificaram que tanto dietas altas em cálcio, como muito baixas neste macroelemento, parecem prevenir o aparecimento da enfermidade.
Contudo, a maioria dos pesquisadores sobre o assunto não consideram os teores dietéticos de cálcio como fundamentais no desencadeamento da HVP, dando mais ênfase ao chamado "balanço cátion-aniônico" dietético.

este balanço é dado pela diferença da concentração dietética (mensurada em miliequivalente por kg) dos principais cátions (sódio e potássio) dos ânions (cloro e enxofre). Quando a diferença é positiva (mais cátions que ânions) diz-se que a dieta é catiônica e vice-versa no caso de dieta aniônica.

estes íons regulam indiretamente o grau de acidez sangüínea; no caso de haver um predomínio de cátions existe uma tendência para ocorrer certa alcalose metabólica, enquanto que a maior concentração de ânions levará a uma acidose moderada.

normalmente, as vacas leiteiras estão altamente adaptadas a ingerir dietas catiônicas. Porém, estudos recentes indicam que no período pré-parto (um mês antes do parto) a ingestão de dietas ricas em cátions pode inibir a produção de 1,25-(OH)2 D3 , diminuindo a capacidade do animal de absorver o cálcio dietético e de reabsorver este macroelemento dos ossos. Acredita-se que a alcalose moderada no puerpério promova uma menor atividade da enzima renal 1alfa-hidroxilase, responsável pela transformação da vitamina D, ocorrendo o inverso quando uma acidose de pequena intensidade se desenvolve.

além de dietas catiônicas, sabe-se que também são fatores determinantes de HPV a ingestão, no período pré-parto, de rações com altas quantidades de fósforo (mais de 80 g P/dia); a estase ruminal e/ou intestinal prolongada no período puerperal, que diminui a ingestão de alimentos e a passagem de cálcio para os intestinos; além de ordenhas completas e freqüentes de colostro, principalmente nas primeiras horas pós-parto, as quais determinam a perda irreversível de cálcio por este fluido.

trabalhos de pesquisas recentes demonstram que em algumas condições fisiológicas, como a parturição, há uma flutuação dos opióides endógenos. O aumento da beta-endorfinas circulante altera a permeabilidade celular, através do bloqueio dos canais de cálcio presentes na membrana celular. Este bloqueio, interno ou externo, afeta a mobilização da célula, diminuindo a atividade celular e reatividade tecidual.


Sintomas Clínicos:
o quadro clínico da HVP se manifesta em três estágios distintos, dependendo da concentração da calcemia.

Há a citação clássica de três fases distintas:
1) fase de excitação e tetania;
2) fase de decúbito esternal;
3) fase de decúbito lateral


Entenda a doença:
inicialmente, quando a hipocalcemia não é intensa (0,95 a 0,84 mMol Ca++ /L; teores normais de 1,30 a 1,0 mMol Ca++ /L) as vacas desenvolvem um quadro de hipersensibilidade nervosa, caracterizada por agitação, tetania muscular, meneios de cabeça, mioclonias e bruxismo, fase esta que pode durar de 40 minutos até oito horas. Na grande maioria das vezes esta fase clínica pode passar despercebida do clínico. ORTOLANI (1995) acompanhou a enfermidade em 39 vacas leiteiras e constatou que em apenas 5,1% (duas) destas foi constatado os primeiros sinais nesta fase clínica, enquanto que a maioria (84,1% ou 33) se encontrava na fase II e as demais na fase III (quatro animais).

com a intensificação da hipocalcemia (0,84 a 0,5 mMol Ca++ /L) o quadro clínico se altera radicalmente, com aparente depressão nervosa, sonolência, midríase não responsiva à luz, atitude de auto-auscultação, paresia muscular e hipotermia. Como o animal pode permanecer muito tempo em decúbito, lesões musculares surgem e dependendo da intensidade do quadro, mesmo com a correção da calcemia, o paciente não mais permanece em estação, manifestando o que se chama de "síndrome da animal caído". Esta complicação tem um prognóstico ruim em relação à recuperação clínica e, de acordo com experiência acumulada, a partir de dois dias de decúbito as chances de reversão do processo são mínimas.

caso a calcemia diminua em casos extremos, o animal entra numa fase crítica (Fase III), com perda total da consciência, alheio ao meio ambiente, manifesta paralisia muscular, taquicardia acompanhada de hipofonese e intensa hipotermia. O insucesso à terapia é grande nesta fase clínica (toxemia).


Diagnóstico:
dados de anamnese
evidência de sinais clínicos
resposta ao cálcio intravenoso

Diagnóstico Diferencial:
toxemia grave (mastite grave, peritonite);
injúria física (lesão do obturador, quedas);
acidose ruminal;


Prognóstico:
favorável = precocidade do diagnóstico e rapidez terapêutica
desfavorável = decúbito prolongado


Tratamento:
borogluconato de cálcio (fósforo, magnésio) = 1 a 2 ml/kg IV (lento);
glicocorticóides
• dexametasona 20 mg IM ou IV
• hidrocortisona 100 a 200 mg IV/IM
• predinisolona 50 a 200 mg IM
• flumetazona 5 mg IV/IM

Ações:
• Aumenta o apetite por 18 a 24 h;
• Diminui a produção de leite (impede captura de glicose pela mama);
• Estimula a atividade glicogênica;
• Estimula a mobilização de aminoácidos precursores de glicose;
• Diminui a capacitação de glicose pelos tecidos periféricos.

tiamina = 4g/dia/IM por 5 dias, estimula apetite, melhora absorção de cálcio e tem ação antineurítica;


Lembrete importante:
retirar o bezerro da mãe: recomenda-se que a prática da superordenha de leite colostral no primeiro dia pós-parto seja evitado.


Prevenção
a partir dos estudos realizados para compreender a etiologia da HVP foram geradas medidas eficazes para prevenir essa enfermidade. Basicamente as medidas preventivas estão centradas no oferecimento de dietas aniônicas nas últimas semanas que antecedem o parto.

como foi dito anteriormente, grande parte dos alimentos triviais são catiônicos, como exemplificado a seguir:
• feno de alfafa + 431 mEq/kg;
• capim coast-cross + 342;
• capim napier + 349;
• capim Braquiaria decumbens + 295;
• silagem de milho +156;
• milho em grão + 19;
• farelo de soja +266;
• cama de frango + 575.

deve-se evitar oferecer no mês que antecede o parto alimentos muito catiônicos, em especial aqueles com mais de + 400 mEq/kg (cama de frango e feno de alfafa).

para tornar a dieta mais aniônica recomenda-se que, em rebanhos com incidência superior a 1% de HVP, seja oferecido sais ricos em ânions, tais como: sulfato de cálcio (gesso agrícola), cloreto de amônia, sulfato de magnésio, sulfato de amônia e cloreto de cálcio.

a escolha destes sais depende da palatabilidade, disponibilidade, custo e inocuidade. Inicialmente, foi bastante utilizado o cloreto de amônia. Contudo, altos teores deste sal deprimem o apetite no período pós-parto e provocam um quadro acidótico intenso.

o cloreto de cálcio pode provocar irritação nas mucosas pelo seu efeito caústico, gerando o aparecimento de ruminite ulcerativa, diarréia e diminuição do apetite.

o sulfato de cálcio tem a grande vantagem de ser barato, palatável e de fácil obtenção e sem trazer danos à saúde. Têm sido recomendado para suprir 1% da matéria seca da ração, aumentado o teor de enxofre na ração para 0,45%. Como o enxofre pode diminuir a disponibilidade de cobre para ruminantes, associado ao fato que no final da gestação as vacas transferem grandes quantidades de cobre para o feto, deve-se suprir a dieta das parturientes com cobre, para evitar a carência deste elemento nas mesmas.

na prática os sais aniônicos, disponíveis no mercado brasileiro, apresentam uma mistura de sulfato de cálcio e cloreto de amônia. A melhor forma de monitorar a ação dos sais aniônicos na dieta é através da avaliação do pH urinário, que se torna mais ácido, e que deve estar ao redor de 6,0 a 7,3.

estudos recentes têm indicado que a dieta total no último mês de gestação deve conter ao redor de 0 a +50 mEq/ kg MS para garantir a máxima de ingestão de alimento e produção láctea no período pós-parto.

no dia do parto a dieta aniônica deve ser suprimida, pois caso mantida provocará uma grande depressão na ingestão de alimento e o aparecimento de fígado gordo nas vacas.

a dieta de vacas secas não deve conter tampões, como o bicarbonato de sódio ou calcário, e alimentos ricos em fósforo, que forneçam mais de 60 g P/vaca/ dia.

o sal comum pode ser oferecido a vontade pois contém igual quantidade de ânions e cátions.

finalmente, recomenda-se eliminar vacas que tenham recidivas.